quinta-feira, 16 de junho de 2011

Projecto Entrescrita - Marta Guerreiro



O que te levou a escrever o “1001 cores”?
 Existe sempre esta necessidade. A de expor. A de nos expormos enquanto cidadãos, e enquanto racionais que somos. Ainda para mais, quando julgamos já conhecer um diferente na primeira pessoa. Expormo-nos – da melhor ou da pior forma-.
Este livro surgiu de uma necessidade extrema de expor a minha ideia relativamente ao diferente que se atravessou no caminho que é o percurso de uma vida. O nascimento de uma irmã com paralisia cerebral – sem qualquer mobilidade física-. Esta realidade aos olhos de uma adolescente, peculiarmente revoltada: a difícil aceitação por parte das pessoas, em todo o que foge ao comum. É portanto um testemunho de amor, perante o novo.

Dado que a tua experiência de vida foi decisiva para a concretização do teu livro, consideras que este pode ser importante para outras pessoas que enfrentam o mesmo tipo de questões?
Considero que não apenas será importante para famílias numa situação semelhante mas muito mais para as que desconhecem este lado de uma vida.
Este livro fará mais sentido para os que não convivem de perto com uma situação tão delicada e que por isso mesmo, não conseguem ter noção da grandiosidade, da beleza e da aprendizagem que estes casos peliculares nos dão, aquilo que nos fazem enquanto pessoas. Preenchem-nos; realizam-nos. Quem desconhece esta parte de um espectáculo: os bastidores, desconhece também com que brilho é realizada a peça, neste caso, com que brilho é realizado este caminho de vida de mão dada com algo invulgar, mas que brilha.

Há algum autor que seja uma referência para ti?
Existem vários autores, tanto estrangeiros como portugueses, que me inspiram. No entanto é de bom agrado da minha parte, dar enfâse a esta língua de Fernando Pessoa. Que foi grande. Que foi Ricardo Reis e afirmou que para sermos grandes, temos que ser inteiros: ou nada. Que foi Álvaro de Campos e afirmou não ser nada, não poder ser nada, mas ter nele todos os sonhos do mundo. Que foi ainda Alberto Caieiro – mas sobretudo, Fernando Pessoa -. Ele é-me grande, tal escrita, tal insanidade bonita. Eterno, é-lhe um adjectivo atribuído por mim.
Num oposto, mais contemporâneo, temos o José Luís Peixoto como fonte de inspiração – pelos piercings característicos e os sorrisos que nunca se esgotam -. Consegue por em palavras a voz de um povo revolto, uma realidade. “Uma Casa na Escuridão” que até ela é cheia de luz no que diz. A escrita do Peixoto faz-me viajar. Ser mais, com ele, uma companhia de noite em forma de letras e sinais de pontuação. Uma escrita metalizada, como os piercings que também eles reluzem.

Pretendes voltar a escrever um livro? Sobre que tema?
Quando fazemos algo inteiro, onde pomos pureza e humildade, e ainda assim, temos reconhecimento. Quando fazemos algo sobretudo nosso, que não é conveniente ou porque sim, mas por ser nosso, isso faz com o nosso reflexo sorria. Com que até o espelho faça sentido.
Isso serve de incentivo, e dá-nos vontade de não perder nem mais um segundo, dá-nos vontade – dá-me vontade – de fazer mais, por ser meu, por estar a ser de tantos outros colos quentes. No entanto tenho tempo. Penso, imagino, crio. Agora existe o livro 1001 Cores e o dia de amanhã nada me garante, mas não quero ter pressa. Quero viver intensamente o que me está a ser dado agora, apenas com a certeza que a escrita fará sempre parte do meu quotidiano, do meu objectivo pessoal.

Que conselhos darias a jovens que estão a dar os primeiros passos na escrita?
Sejam mais;
Tenho dito nas apresentações por onde tenho estado, algo que considero de relevância extrema. Somos confrontados com miséria, não só económica mas como de espírito. As pessoas agem em defensa, agem contra a revolta e o problema não está aí: o problema está no protagonismo que é dado em que usa essa revolta em situações de violência, situações desumanas.
No entanto a revolta pode ser boa, pode ser uma arma para o nosso amanhã. Os grandes nomes da história foram revolucionários. Usaram todo a rajada de emoções interiores e fizeram músicas: que hoje são hinos à liberdade, pintaram quadros: que hoje são exemplos de futurismo, escreveram livros: que hoje são “Bíblias” de um desenrolar histórico difícil. Que são todas estas formas de arte: conquista.
Não deixem de escrever, não deixem de se expressarem, ponham em algo concretizado o lugar que ocupam, ou aquele que querem ocupar – da forma mais pura, honesta e bonita -.

Julgas que São Pedro Sul pode ser uma fonte de inspiração para a escrita? Como?
São Pedro do Sul - destacado pelas paisagens sem igual, o colorido e o natural – é assim que o recordo. Num vale, uma cidade escondida e protegida por quem nela habita, que tanto defende o verde que lhes pertence, e que deixam ser alvo de críticas bonitas pelos turistas, mas que lhes pertence: o verde dos habitantes.
Com uma pitada de antiguidade que parece não querer dar lugar ao alternativo: é também assim que a recordo, uma cidade conservadora.
O livro foi escrito, maioritariamente, no quarto número quatro, do alojamento da Escola Profissional de Carvalhais, que me trouxe pessoas boas que ficarão, decerto, no meu caminho enquanto pessoa a realizar-se. A janela do quarto quatro, dava lugar a dois lagos e a uma relva que reluzia todas as manhãs de primavera e de verão (quando escrevi o livro).
Obviamente, toda essa paisagem foi inspiradora, e toda essa paisagem tornou o meu livro mais romântico, por também ter sido nesse sítio, que surgiu o Impossível – uma personagem do livro que existe enquanto pessoa que me acompanha na realidade – histórias de amor e inspiração. Uma paisagem que permitiu um livro, e que permite paixões. Por ser tão protegida e tão natural. Uma paisagem que pertence a todos, agora também aos que percorrem as páginas do meu livro.

Qual o papel que a Biblioteca Municipal de São Pedro do Sul (ou as bibliotecas no geral) desempenhou na tua formação enquanto escritora? De que modo?
Sendo sincera, e agora com o desenvolvimento das tecnologias, creio que o uso da biblioteca seria mais para pesquisa, coisa que os computadores vieram tirar o lugar. Sempre que quero ler um livro, gosto de o comprar. De o sentir meu. De o cheirar e rever as páginas sempre que sentir saudades do que elas transmitiam, talvez por isso não seja meu hábito utilizar a biblioteca como sitio para requisitar literatura. No entanto, sei que é de relevância extrema: primeiramente é um ponto de encontro onde se preza o amor pela cultura, e onde existe cultura, existe importância e deve ter destaca. Seguidamente, visto que não existem possibilidades a todos, sejam elas económicas ou ainda de mobilidade, para a aquisição de um livro, a biblioteca aí desempenha um papel crucial na instrução dos habitantes que a circulam. Além de um ponto de encontro bonito é ainda um estabelecimento que temos ao nosso dispor, e que devemos frequentar com a maior regularidade possível, no caso de a leitura por exemplo, não ser acessível de outra forma.

Biografia

Nasci em Lisboa, no primeiro dia do ano de 1995. Já vivi no Alentejo, em Castro-Daire, Londres e São Pedro do Sul.
As poucas coisas que realizei durante o meu ainda pequeno percurso, incluem cursos de medicinas alternativas; um minicurso de teatro; finalista no concurso “A Europa Sou Eu” na categoria de poesia; três outdoors expostos realizados por um pequeno grupo onde estava inserida; voluntariado no Banco Alimentar e por fim, mediadora da APF.

Livros publicados
1001 cores - 2011

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